O maior patrimônio da capoeira, além dela própria é o mestre, sem o qual ela não acontece. “Só aprende quem respeita” Muniz Sodré
O registro de bem cultural do Ofício dos Mestres de Capoeira certificado no Livro do Registro dos Saberes do IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, e que esse ano se encontra em processo de revisão, em tese fundamentaria a celebração de um compromisso mais concreto entre o Estado, por meio de políticas públicas e os Mestres do saber da capoeiragem.
A discussão no texto no entanto, não é sobre o direito cultural observado entre Estado e o conjunto de mestres e griôs do Brasil. A discussão central é sobre a provocação para os capoeiras sobre a importância da reflexão, e mais do que isso, da ação no sentido dos capoeiristas salvaguardarem o seu conhecimento, a sua fonte de saber, o mestre de capoeira.
Sem o mestre não tem capoeira. Ela não surgiu do nada, ela não acontece do nada. Alguma força, a do mestre e do axé é quem move e mobiliza a coletividade para o empreendimento, e o acontecimento de toda a ritualidade da capoeira. A roda, a malicia da cantoria e dos movimentos, a liderança para o ajuntamento, enfim, a troca de informação característica para a aprendizagem.
Nesse sentido a conversa vai se desenrolar sobre a idéia e a noção do que vem a ser, valorização reconhecimento e respeito ao Mestre de capoeira. O que o capoeirista, o aprendiz e a sociedade de um modo geral fazem ou deveria fazer em relação essa noção? Sem a clareza dessa relação e do compromisso, no caso daqueles vinculados à prática e ao aprendizado da capoeira, nenhuma política pública para a Salvaguarda ou qualquer outra política avançará, sem que antes não estiver estabelecido a política de compromisso, de respeito ao trabalho e a pessoa Mestre de Capoeira.
Em que pé, e em que roda anda sua história e sua relação com o ensino e a vivência com seu mestre de capoeira?
A pergunta parte da idéia de que o mestre e a capoeira que você escolheu ou vice-versa lhe faz bem. Do contrário recomenda-se uma outra reflexão. Voce está na capoeira e com o mestre que deveria estar?
Ao estar convicto de que está com o mestre e a capoeira que acredita ser a sua, é importante pensar sobre a valorização, o reconhecimento e o respeito pelo tempo, trabalho e saber do mestre. Um velho mestre do saber tradicional e da intelectualidade contemporânea, Muniz Sodré disse que só se aprende quem tem respeito. De fato, o aprendizado na capoeira pressupõe vivência e paciência. Esses são fatores elementares para a formação do capoeira.
Além disso, ter em mente que o Mestre do saber tradicional é um Patrimônio. Por isso a pergunta que se faz necessário novamente. O que voce tem feito, retribui contribui? O mestre de capoeira que se dedica à transmissão desse saber ancestral muitas vezes não goza de uma proteção social e previdenciária. Razão pela qual grande parte de sua remuneração está associada as mensalidades, aos cursos e oficinas que realizam afim de custear despesas com espaços culturais e academias, dentre outras tantas. Despesas que pesam muito sobre os ombros desses mestres. Em muitos casos velhos mestres não possuem uma cobertura de assistência médica. Vemos isso com frequência. Vários são os casos de mobilizações de vaquinhas para ajudar sabedores em condições precárias.
É muito frequente pessoas sem maldade, desinformadas e desatentas solicitarem aos capoeiras apresentação para escolas e eventos de forma gratuita, as vezes em troca de lanche ou de divulgação. Isso não é mais possível. Sobretudo se consideramos toda conjuntura a que estamos imersos, novas tecnologias, redes sociais, economia em rede, etc.
Ao pensar em ações com a capoeira pensem do ponto de vista econômico e da viabilidade.
Mestres e professores de capoeira têm despesas, fazem investimentos na arte da capoeira cujo conhecimento é infinito e inconcebível, para lembrar Mestre Pastinha, que sofreu muito nos últimos tempos de sua vida em razão da falta de assistência, respeito e a valorização de vida.
Por isso, valorizar reconhecer e respeitar efetivamente o mestre da capoeira implica conhecê-lo de verdade, e envolve afetividade e empatia. Uma vez iniciado no mundo da capoeira, aquele conhecimento e muitos outros dependerão infinitamente dessa relação, ainda que as direções e caminhos de discípulos e mestres sejam diferentes. Discípulo de capoeira não é aluno, o compromisso é sério.
Para quem tem na capoeira um farol para vida é sempre bom lembrar, um dia será mestre e conhecerá toda grandeza e dureza dessa tarefa. Finalizo com a provocação. E aí, o que tem feito pelo mestre da capoeira? Asé.
Luciano Medina (Calado)
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